Porque correr?!
Por: Fernanda Young
Corro porque sou kantiana. Não sigo os instintos da minha
natureza, mas, sim, torno-me aquilo que não sou por uma razão maior. Procuro
sempre dominar minhas deficiências, sendo a preguiça a maior delas. Poderia
estar perfeitamente preguiçosa, mas não estou.
Outra ressalva, em minha alma, é que ela é triste. Só que não
posso estar triste, pois devo, à minha obra, maior discernimento e, às minhas
filhas, a força para criá-las fortes. Então também corro porque o contrário
disso seria chorar, reclamar sem nada fazer e fumar mil cigarros. Dizem que
quem tem a lua em Peixes, no zodíaco, como eu, tem tendência aos vícios. Corro,
portanto, dessa queda para a autodestruição, pois não existe melhor química
contra depressão do que a endorfina.
Correr, assim, é meu remédio. A minha meditação. Correndo
sozinha, estou em minha melhor companhia. Faz mais de dez anos que sigo fiel a
essa saudável rotina. Já adquiri até uma sesamoidite crônica, mas tenho um bom
médico de pés, e palmilhas especiais.
Dizem, os invejosos, que correr envelhece. Bom, o tempo
envelhece. E eu prefiro enfrentá-lo na minha melhor forma. Nunca tendo sido
gostosa, correndo, jamais ficarei caída.
Há os que garantem que correr é um modismo urbano. Não sinto
dessa maneira, ou jamais teria me tornado adepta. Sou avessa a coisas “in”. E,
como também não sou dada a coletividades, sequer costumo correr em grupo. Mesmo
nas corridas dos circuitos, das quais eventualmente participo, quando não estou
sozinha, estou com um amigo silencioso.
Corro, acima de tudo, porque gosto. Às vezes, chego quase a
chorar, tamanha a emoção. A sensação é de que estou deixando o que fui – meu
passado é um resíduo que defendo, mas não carrego – para trás; e meu corpo
agradece, renovado. Todos os músculos bem preparados para minha defesa, ou
daqueles que de mim precisarem.
Sim, corro porque posso. Agradeço aos bons joelhos que possuo,
que me sustentam sem reclamar. Claro, tenho métodos, tenho cuidados, tenho as
minhas trilhas prediletas. Dou o melhor de mim nesse projeto, pois dependo dele
para viver. Porque corro, não fumo mais. Porque corro, alimento-me melhor.
Porque corro, não perco as sextas na biritagem – adoro correr aos sábados.
Concluindo, corro para não preencher perfis óbvios. Pois correr,
no meu caso, é praticamente uma contradição. Porém insisto nisso, encarando
como uma manifestação política, talvez mais significativa que votar. Corro, por
causa disso, com toda a elegância e humildade. Aprendendo a cuidar bem desse
corpo que Deus habita.
Por fim, eu corro porque acho bonito gente correndo, e quero que
as minhas filhas vejam que todos somos capazes de mudar. E porque não suporto
fazer regimes – é isso: corro porque adoro comer pizza à noite.